sábado, 6 de maio de 2017

MESA DE MAYO

Informamos que la próxima mesa de alumnos libres se llevará a cabo ...

... el MARTES 16 DE MAYO en los siguientes horarios...

NIVEL MEDIO: de 11 a 13 hs.

NIVEL ELEMENTAL: de 13 a 15 hs.

NIVEL SUPERIOR: de 13 a 16 hs.


Publicación de notas: EL MARTES 6 DE JUNIO A LAS 18 HS. en la cartelera de Portugués del Depto. de Lenguas Modernas (tercer piso).

Se firmarán libretas de alumnos que hayan aprobado el nivel superior en instancias anteriores, en el horario de 13 hs. a 15 hs.

Tener en cuenta "Recomendaciones para alumnos libres".

El material bibliográfico de apoyo se encuentra disponible en la Fotocopiadora de primer piso (junto al CBC) y en La Caverna sobre calle Puán a metros de Pedro Goyena.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

"LÍNGUA MATERNA, LÍNGUA PATERNA"


Marcos Bagno


O linguista Bernard Cerquiglini, em dois de seus livros sobre a história do francês, emprega a expressão língua paterna para se referir ao produto das políticas de normatização que incidem sobre as línguas de sociedades grafocêntricas, como as europeias. Evidentemente, língua paterna se contrapõe a língua materna, um conceito muito difundido e de uso amplo dentro e fora das discussões especializadas. Cerquiglini emprega muito esporadicamente a expressão nos livros citados, mas vale a pena desenvolvê-la um pouco mais aqui, porque me parece uma interessante polarização para entendermos as relações entre linguagem e sociedade.


A língua materna é precisamente a língua da mãe, a língua que cada pessoa começa a adquirir tão logo nasce e cria o vínculo afetivo-linguístico com a mãe (ou, na falta dela, com a pessoa que venha a preencher esse papel). É uma língua puramente oral — falada e ouvida —, mesmo quando provém da voz de uma pessoa altamente letrada. Língua do afeto, do desejo, do íntimo, do sonho, vive à margem dos ditames da norma canonizada. A língua materna é intrinsecamente variável, doméstica, familiar, idioma particular daquilo que em inglês se chama household, um termo que inclui a casa, seus ocupantes e todas as atividades ali desenvolvidas por eles. Quando, na história de cada sociedade, uma determinada língua — ou mais precisamente, uma das variedades dessa língua — é alçada à condição de língua oficial, ocorre uma importante metamorfose — a língua materna se torna língua paterna, transformada em padrão (do latim patronu-, onde está presente a raiz pater- ‘pai’, mesmo vocábulo do qual procedem patrão e patrono). É a língua patrocinada pelo Estado e, irradiando-se dele, a língua da escola — isso explica o choque que muitas pessoas (especialmente os falantes de variedades linguísticas estigmatizadas) experimentam ao tomar contato pela primeira vez com uma língua que, em boa medida, além de estranha é quase estrangeira. A língua paterna é essencialmente escrita, ortografizada, normatizada.


A língua paterna é a língua da Lei, sempre associada à figura do pai, inclusive nos postulados da psicanálise freudiana. A língua materna — língua de mulher — sofre na maioria das sociedades as mesmas depreciações dedicadas ao gênero feminino: é o lugar do “erro”, do “desvio”, do “frágil”, do pouco confiável, do instável, do inconvenientemente sensível e sensitivo. Ao pai cabe domar e domesticar esse idioma errático, conferindo-lhe regras, regimentos, registros, regências, regulamentos — palavras todas derivadas de rex, regis, ‘rei’, assim como recto, direcção, correcção, régua. É a língua do Direito (< derectu-, ‘o que está reto’), erigida como lei linguística. A língua paterna é a língua da erecção, a língua do rei, pai da nação, símbolo do Estado.


Um elemento fundamental nessa padronização é, sem dúvida alguma, a presença da escrita, tomada sempre em sua vertente canônica, douta, literária. Tudo o que tem a ver com a instituição de uma linguagem “certa”, “oficial”, “uniforme”, “normatizada” etc. também tem a ver com o uso intenso da escrita. Daí advém o uso tradicional da expressão norma culta, identificada sempre com a linguagem escrita mais formal, mais monitorada, de preferência com pretensões “literárias”. As sociedades que são fortemente letradas, isto é, em que a cultura escrita é onipresente e supervalorizada, são também aquelas que ostentam instituições com grande poder centrípeto sobre as forças de mudança da língua. O linguista canadense J. M. Paquette explica de que maneira a normatização da língua se associou estreitamente à normatização jurídica durante o período da história europeia em que os Estados nacionais se fortaleceram e se sentiu a necessidade de todo um corpo de instituições e de funcionários capazes de elaborar normas, regulamentos e leis, processo que exigiu, simultaneamente, a uniformização das ortografias e a padronização das regras gramaticais:



tanto quanto possamos apreender suas origens na história, o serviço da chancelaria real já pode ser percebido como um universo da escrita estreitamente ligado à atividade jurídica. Não há mais dúvidas, a seguir, de que, na história das diversas chancelarias da Europa, assim será até nas épocas mais recentes — mas é interessante observar que desde sua emergência na história das instituições, o conjunto das funções da chancelaria vinculam a escrita e o direito.



Não é por mera coincidência, então, que também neste período (séculos XIV-XVI) tenham sido escritas as primeiras gramáticas normativas das línguas europeias. Esse vínculo estreito entre escrita e direito é o que explica por que as gramáticas normativas “se apresentam até os nossos dias sob a forma de um verdadeiro código de direito, com a regra, os parágrafos, os artigos, as exceções quanto aos exemplos tirados dos autores” — segundo Paquette, “é porque elas têm mais ou menos uma função análoga à da jurisprudência”.


A masculinidade da língua padronizada é explicitada no célebre introito da gramática de João de Barros (1540), em que o autor escreve que os antigos definiram a palavra gramática como “hũ módo çérto e iusto de falár, & escreuer, colheito do uso, e autoridáde dos barões doutos”. “Barões” é outra forma de “varões”, ou seja, homens, pois são eles — e jamais as mulheres — os conhecedores e praticantes do “modo certo e justo de falar e escrever”.


Uma vez instituída fora do lar, na esfera pública, a língua paterna logo encontra seus defensores, eminentemente masculinos, capazes de preservá-la em sua pureza. É o trabalho sempre trágico e desesperado dos puristas. Nas palavras de Cerquiglini,



atentar [contra a língua paterna], por meio de algumas reformas (reajustes ortográficos, feminização dos nomes das profissões), ou pela tolerância para com as palavras estrangeiras não é somente ofender o uso, é desatar os fios do eu. A novidade induzida dispara uma reação cuja regularidade quase predizível, cuja sinceridade decerto, cuja violência por vezes, mostram que a correção gramatical não é só o que está em causa. Inversamente, amar e defender a norma, mesmo incoerente, vale por atestado de cidadania, penhor de adesão à comunidade nacional [...]



A língua paterna se ergue como patrimônio a ser preservado. Vem devidamente codificada nas gramáticas e catalogada nos dicionários. É a norma-padrão, identificada com a Pátria. A língua materna vive à margem da Lei, no interior das casas, não deve sair do gineceu. No entanto, é nesse mundo desprezado (ou alvo de paternalismo condescendente) que pulsa a força vital da língua, seus processos de mudança, suas metáforas, sua interminável poética. É nele que vamos conhecer, não mais a língua do Estado, porém o real estado da língua.


Quando dizemos, por exemplo, que desde o México, na América do Norte, até o extremo sul da Argentina, às portas da Antártida, se fala “espanhol”, é à língua paterna que estamos nos referindo, um espanhol padronizado, neutralizado em suas diferenças. Na vida íntima dos povos, contudo, esse espanhol não existe: existem incontáveis variedades maternas que, quando comparadas, constituem verdadeiras línguas diferentes entre si. É inconcebível que num território tão vasto, com ecologias tão diversas, populações resultantes de um sem-fim de mestiçagens em sociedades com história política e cultural muito distintas, se fale uma só e mesma língua. E nem é preciso comparar dois países autônomas: num só México, vasto país com seus 120 milhões de habitantes, as variedades de “espanhol” formam uma gama numerosa e diversificada.


O mais interessante em tudo isso é que, tradicionalmente, o rótulo “língua materna” é aplicado, sobretudo no ensino, a uma idealização de língua, a um modelo padronizado, justamente o que chamamos aqui de língua paterna.


É claro que essa língua paterna tem sua importância social e cultural e que, quando bem identificada, deve ser o instrumento da educação institucionalizada. O grande problema é que, nessa supervalorização da língua normatizada, tudo o que não se encaixa nesse modelo pátrio é lançado no inferno do “não ser”, do “isso não é português”. As conquistas feministas dos últimos cem anos podem servir de exemplo para a reavaliação e reformulação das relações língua-sociedade. Podemos tranquilamente conviver com a língua paterna sem precisar desprezar a língua que aprendemos em casa, com a nossa mãe, língua que absorvemos junto com o leite materno e – por que não? – desde o útero.


Fonte: http://e-proinfo.mec.gov.br/eproinfo/blog/preconceito/lingua-materna-lingua-paterna.html