domingo, 25 de setembro de 2022

HÁ UM HISTORICÍDIO EM CURSO NO PAÍS

 

HÁ UM HISTORICÍDIO EM CURSO NO PAÍS

Por diversos autores, ver lista no fim do post

Publicado originalmente na Folha de S. Paulo em 03 set. 2022.

Nos 200 anos da Independência, objetiva-se falsificar a história ou até mesmo expurgá-la

É comum que professores de história ouçam em conversas casuais frases como: “Eu gosto muito de história!”, “Os jovens precisam conhecer mais a nossa história!” ou “O brasileiro não tem memória!”… Quem nunca?

Já outros manifestam perplexidade ao lerem por aí que o nazismo era de esquerda ou que a ditadura militar brasileira foi uma “revolução democrática”(!). Eles, os perplexos, ainda lembrarão a importância de saber história “para que os erros não se repitam”. A verdade é que certas pessoas odeiam a história e o seu ensino. Fosse diferente, não estaríamos assistindo inertes ao “historicídio”, com o perdão do neologismo, que está em curso em São Paulo e no Brasil.

Recentemente esta Folha noticiou que “Aulas de história e geografia em SP poderão ter professor sem formação na área” (22/6). Nós, professores, pais e estudantes da rede pública estadual, fomos surpreendidos com essa resolução da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que propõe resolver a falta de professores, diversas vezes denunciada pela Rede Escola Pública e Universidade (Repu), com mais precarização.

Com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) homologada em 2018 no ensino médio, a história perdeu seu lugar como disciplina escolar no currículo, que ocupava desde a primeira metade do século 19!

A disciplina foi diluída em uma miscelânea “4 em 1” (história, geografia, sociologia e filosofia), que é de tudo um pouco, e de um pouco, nada. Como se todas essas disciplinas não tivessem suas especificidades e um único professor híbrido resolvesse a questão.

Destaque-se que esse agrupamento por área pasteurizou conteúdos e reduziu o número de professores, dando lugar para componentes curriculares alienígenas à cultura escolar, como “empreendedorismo e projeto de vida”, que não têm lastro acadêmico, pois não se constituem como cursos de graduação e, portanto, inexistem professores licenciados.

A lei 14.038/2020, que regulamenta a profissão de historiador, informa em seu artigo 4º que uma das atribuições desse profissional é exercer o “magistério da disciplina de história nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio”. Uma ilegalidade ronda a escola pública brasileira! Ou simplesmente a letra da lei garante um direito inócuo?

Como se não bastasse, através da resolução 02/2019, o Conselho Nacional de Educação (CNE) estabeleceu uma mudança nos cursos de formação de professores que tem sido amplamente criticada.

Essa resolução propõe a diminuição da carga horária dos conteúdos específicos em favor de genéricos, formando professores num praticismo raso. Sua implantação despreza a autonomia universitária, inúmeras experiências curriculares em andamento e projetos de cursos consolidados.

É um desastre cognitivo o que está em curso, um verdadeiro “historicídio” promovido por negacionistas que desejam falsificar a história. Mas também produzido por aqueles que desejam, simplesmente, se livrar dela expurgando-a do seu estudo escolar. Excluir a história do currículo é apagar o passado e ameaçar o futuro. Precarizar a formação docente favorece a deformação e a desinformação. Não sendo revertidas essas medidas, a cidadania ficará privada do mais básico conhecimento de nossas histórias. Será esta a nossa contribuição ao futuro no bicentenário da Independência?

Antonio Simplicio de Almeida Neto
Departamento de História da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)

Paulo Eduardo Mello
Departamento de História da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa)

Valdei Araujo
Associação Nacional de História – Brasil e Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto)

Paulo Eduardo Teixeira
Associação Nacional de História – São Paulo e Unesp (Universidade Estadual Paulista)