sexta-feira, 29 de março de 2024

Volta ao mundo a bordo da palavra «pai»

 Volta ao mundo a bordo da palavra «pai»

Do passado do português ao persa

Começamos, claro, no nosso «pai». A sua origem é conhecida — com muitas paragens pelo caminho, terá vindo do «pater» latino. Ora este também veio de outros tempos — os linguistas conseguiram mesmo reconstruir a forma «*ph₂tḗr». Mas essa história já a contei aqui.

Avancemos pelo mar. Saímos de Lisboa, navegamos até ao Estreito de Gibraltar, entramos no Mediterrâneo.

À nossa esquerda, estendem-se terras onde «pai» é «padre» — ou também, começando ali na zona de Guardamar del Segura, «pare».

Do lado direito estão as costas de países onde a língua oficial é, entre outras, o árabe. Um das formas da palavra «pai» é, em árabe, «ʾab» — mas também podemos dizer «bābā».

O nosso barco avança veloz — aportamos a Malta. Já por lá andámos noutras viagens desta página e sabemos, por isso, que o maltês é uma língua da família do árabe. No entanto, muito do vocabulário tem origem italiana. Neste caso, «pai» é «missier». Como? Então nada de «papa», «baba» ou outros que tais? Donde vem esta palavra? Não parece nem árabe nem latina. Vem de «misseri», uma palavra do siciliano antigo relacionada com o italiano «messere», que terá vindo do occitano «meser», palavra irmã do «monsieur» francês… Ou seja, o «missier» maltês é primo do «monsieur» francês — mas o significado é «pai»!

O nosso barco está com vontade de viajar. O meu pai e eu sentimos o sal na cara e olhamos em frente. Já se vê a Grécia! Em grego antigo, «pai» era um familiar «patḗr» («πατήρ»). Hoje em dia, a palavra é «patéras» («πατέρας»).

Passando pelas ilhas gregas como que pelos pingos da chuva, aportamos na Turquia — onde «pai» é «baba».

A viagem pela Anatólia é feita por terra. Teria muito que contar, claro, mas dar uma volta ao mundo em poucos minutos exige que avancemos. Passamos, sem grande dificuldade, a fronteira entre a Turquia e o Irão e ficamos a saber que, por lá, a palavra pode ser «bâbâ» — o que lembra o turco, é certo — mas é, antes de mais, «pedar». Ao contrário do turco, o persa é uma língua indo-europeia — este «pedar» está próximo do latino «pater», do grego «patḗr» ou do germânico «*fadēr» (os germânicos substituíram o «p» pelo «f» em muitíssimas palavras).

Do persa ao futuro do português

O meu pai e eu estamos a conversar sobre estas velhas palavras num café de Bandar-Abbas, que os comerciantes portugueses também conheciam como Cambarão. Estamos encostados ao Estreito de Ormuz. Fazemo-nos ao mar. Já não temos muito tempo…

Atravessamos todo o Oceano Índico e aportamos na Indonésia. Neste arquipélago, encontramos muitas línguas. A língua oficial é o indonésio, estreitamente relacionado com o malaio (o indonésio e o malaio são, no fundo, duas normas da mesma língua). Por aqui, «pai» é «bapa». O curioso é perceber a forma do plural: «bapa-bapa». Parece lógico, não parece?

Avançamos — que ainda nos falta mais de meio mundo e o artigo tem de acabar! Atravessamos o Pacífico até ao Havai, onde encontramos — para lá do mais conhecido «father» — a forma «makua kāne», que tanto dá para «pai» como para «tio»… Se dermos mais um salto e chegarmos ao continente americano sem sair dos EUA (a viagem faz-se agora de avião), ficamos a saber que em navajo a palavra pai é «azhéʼé».

Esta palavra faz parte da frase «shizhéʼé tʼáá ákwíí jį́ naalnish», que significa «o meu pai trabalha todos os dias» (encontrei-a no Wikcionário). É uma frase bem verdadeira, pelo menos no que toca ao meu pai — mas tem um problema: onde está a palavra «azhéʼé»? «Naalnish» é o verbo «trabalhar». «Tʼáá ákwíí jį́» significa «todos os dias». Sobra «shizhéʼé» — que é, de facto, a forma do possessivo da primeira pessoa singular de «azhéʼé». Ou seja, «shizhéʼé» é «o meu pai». É estranho, não é? Uma palavra que se flexiona no início? Ora, basta imaginar o português daqui a uns 2000 anos, depois de muita pancada fonética. Nessa língua do futuro, tão distante de nós como o latim, não é impossível que as formas da palavra «pai» sejam algo como «mpai», «tepai», «sepai» («o meu pai», «o teu pai», «o seu pai»). Sabe-se lá!…

A volta ao mundo ainda não acabou. Saímos do porto de Nova Orleães e aportamos em Curaçau, onde descobrimos que «pai» é «tata» em papiamento (a língua de que falámos por aqui há uns tempos).

Por fim, o nosso barco chega a Lisboa vindo de ocidente, depois de atravessar o velho oceano. É então que ouvimos de novo a palavra que nos fez partir nesta volta ao mundo: «pai».

Feliz Dia do Pai a todos os pais — mas (espero que compreendam) em especial ao meu pai…

Marco Neves
Docente na NOVA FCSH e investigador no CETAPS. É tradutor desde 2002 e autor de vários livros sobre a língua portuguesa e a linguagem humana. Escreve regularmente no SAPO 24 sobre temas linguísticos e mantém a página Certas Palavras (www.certaspalavras.pt).

Foto de destaque: Foto de Ante Hamersmit na Unsplash

Fonte: https://observalinguaportuguesa.org/volta-ao-mundo-a-bordo-da-palavra-pai/


sexta-feira, 15 de março de 2024

LÍDIA JORGE

 

Lídia Jorge terá uma cátedra numa universidade brasileira

São Paulo, 08 mar 2024 (Lusa) – A Universidade Federal brasileira de Goiás terá uma cátedra em homenagem à escritora portuguesa Lídia Jorge, anunciou hoje o Camões – Instituto Cultural Português de Brasília, num comunicado.

O anúncio, feito no Dia Internacional das Mulheres, destacou que esta será a primeira cátedra da rede Camões no Brasil a homenagear uma escritora.

Lídia Jorge estará presente, no dia 19 de março, no lançamento da cátedra, para promover os estudos na área e estabelecer intercâmbio entre estudantes, investigadores e autores, lê-se no comunicado.

O embaixador de Portugal no Brasil, Luís Faro Ramos, citado no comunicado, considerou que o lançamento da cátedra em homenagem a Lídia Jorge “coroa um ano muito especial para Portugal”.

“Em 2024 vamos celebrar os 50 anos da Revolução dos Cravos, em 25 de abril, e os 500 anos do nascimento do nosso grande poeta, Luís Vaz de Camões. E tenho certeza de que essa Cátedra dará belos frutos, no próximo futuro”, considerou o embaixador.

Poeta, contista e romancista, Lídia Jorge iniciou a sua carreira com o romance “O Dia dos Prodígios”, em 1980. Ao longo dos anos, foi galardoada com vários prémios, incluindo o Grande Prémio de Literatura em Línguas Românicas da FIL (2020) e o Prémio Médicis Estrangeiro (2023).

 “Destacam-se, em sua obra de ficção, temas como o passado colonial e ditatorial; as tensões entre a sociedade moderna e pós-moderna; a condição feminina e a emigração”, salientou o professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (UFG) Rogério Max Canedo.

Os livros de Lídia Jorge estão traduzidos para diversas línguas, como alemão, galego, búlgaro, castelhano, esloveno, grego, francês, hebraico, húngaro, italiano, holandês, romeno, sueco e inglês, entre outras.

CYR // MLL – Lusa/Fim

segunda-feira, 4 de março de 2024

EDUARDO LOURENÇO SEGUNDO MIGUEL REAL

 

Eduardo Lourenço e Os Lusíadas

EDUARDO LOURENÇO E OS LUSÍADAS

Miguel Real

 Eduardo Lourenço: Uma Visão de Portugal

Em 1949, Eduardo Lourenço (EL), em Heterodoxia I, seu primeiro livro, tem uma frase absolutamente demolidora do então estado da culturva portuguesa: “o mundo da cultura portuguesa arrasta há quatro séculos uma existência crepuscular”. Assim, o caudal de conhecimentos que tínhamos erguido com a empresa dos Descobrimentos “perdeu tudo o que tinha de vivo e prometedor, para conservar apenas o comentarismo ruminante estéril”. Porém, e paradoxalmente, a cultura portuguesa dos últimos 300 anos fora edificada por todos aqueles que, em contacto com as manifestações culturais superiores da Europa (o Liberalismo; o Positivismo e o Socialismo de Antrero), tinham criado uma obra pessoal conflituadora com a mentalidade dominante do Estado, da Igreja e do Ensino. Este raciocínio do jovem EL muito devia à lição de António Sérgio. O que já não acontece trinta anos depois, quando publica O Labirinto da Saudade, em 1978, livro crítico de Sérgio.

Em O Labirinto da Saudade, EL faz publicar o seu artigo de 1969, em O Tempo e o Modo, “Sérgio como mito cultural”, que evidencia filosoficamente a intrínseca constitutividade débil da razão. Com este artigo, o iluminismo pombalino, o positivismo republicano e o racionalismo forte da primeira metade do século XX, que, com Sérgio tinha elevado a razão a fortaleza epistenológica da Verdade, soçobravam às mãos de uma concepção perspectivística e instrumental de razão e de verdade: é o relativismo ético da democracia a anunciar-se. É com EL que, em Portugal, a Razão, acossada pelos estudos epistemológicos, psicanalíticos e linguísticos, perde o privilégio de um superior instrumento de conhecimento. A partir deste artigo, os estudos sobre a razão em Portugal desenvolverão uma teoria fraca ou fragilizada de razão: Fernando Gil, Manuel Maria Carrilho, Boaventura de Sousa Santos, José Gil, José Mattoso,Viriato Soromenho-Marques, António Damásio.

Bastaria aquele capítulo de O Labirinto da Saudade. Psicanálise Mítica do Destino Português para tornar este um livro admirável, vocacionado para ser acolhido na história do pensamento em Portugal. Porém, então, como hoje, todas as atenções se centraram no capítulo que dá nome ao livro. Foi como se, nele, os portugueses se vissem despido, sem a envoltura dos ouropéis ideológicos, mirando-se frágeis, menores e diminuídos ao espelho de si próprio e da Europa. É um dos pouco livros publicados no último quartel do século XX que ficará na história da cultura portuguesa. 

Segundo EL, temos historicamente caminhado num espaço conflitual entre o modo como somos e o modo como nos imaginamos ser. Existe, portanto, na mente de cada português, uma desproporção, uma clivagem, melhor, um duplo estado de espírito em que cada um sente o que ontologicamente é (pequeno país, pobre e carenciado país, recursos limitados, baixa qualidade de vida, forte ruralismo tradicional, incipiente indústria, frágil organização financeira nacional, hábitos passadistas, tecnologia nacional infíma) e o que imageticamente lhe é dado ver através da leitura da história pátria (o mito dos Descobrimentos, a aventura da Expansão Ultramarina, o sonho do Quinto Império, o desejo do progresso antevisto na Europa iluminista e positivista, a quimera de um Estado imperial uno, do Minho a Timor, e do seu contraponto socialista-comunista, o Estado solidário e igualitário dos trabalhadores salvadores do mundo). É a esta dupla consciência que tem animado a maioria dos portugueses, sintetizada na diferença imaginária, em cada época histórica, entre a realidade e a ficção, que E. L. designa por “o irrealismo prodigioso da imagem que os portugueses fazem de si mesmos”. Este “irrealismo”, esta “forma mentis” de ser português, condição histórica permanente de Portugal, tanto tem arrastado Portugal para o maior dos miserabilismos culturais (o espírito decadentista entre os séculos XVII e XX) como para a crença de que somos por condição e destino um povo eleito, por vezes adormecido, mas sempre virtualmente preparado para lançar as “novas naus” da civilização. Esta “forma mentis” portuguesa, é designada por EL como de tipo “traumático”, ao modo psicanalítico, querendo com isso dizer que algo na nossa cultura nacional sofreu de fortíssimas perturbações civilizacionais que lhe recalcaram a possibilidade de uma vivência integrada na normalização média da existência europeia. Ser sempre mais ou menos, tudo ou nada, superior ou inferior, vanguarda ou proscrito, princípe ou gáfaro, não é, sejam quais forem os padrões epocais de estandartização dos comportamentos, um modo habitual de vida. 

(...)

PARA CONTINUAR LENDO O ENSAIO NA ÍNTEGRA:

https://observalinguaportuguesa.org/eduardo-lourenco-e-os-lusiadas/


RESULTADOS DAS PROVAS DE FEVEREIRO DE 2024



PORTUGUÉS ELEMENTAL:

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PORTUGUÉS MEDIO:


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PORTUGUÉS SUPERIOR:


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