segunda-feira, 4 de março de 2024

EDUARDO LOURENÇO SEGUNDO MIGUEL REAL

 

Eduardo Lourenço e Os Lusíadas

EDUARDO LOURENÇO E OS LUSÍADAS

Miguel Real

 Eduardo Lourenço: Uma Visão de Portugal

Em 1949, Eduardo Lourenço (EL), em Heterodoxia I, seu primeiro livro, tem uma frase absolutamente demolidora do então estado da culturva portuguesa: “o mundo da cultura portuguesa arrasta há quatro séculos uma existência crepuscular”. Assim, o caudal de conhecimentos que tínhamos erguido com a empresa dos Descobrimentos “perdeu tudo o que tinha de vivo e prometedor, para conservar apenas o comentarismo ruminante estéril”. Porém, e paradoxalmente, a cultura portuguesa dos últimos 300 anos fora edificada por todos aqueles que, em contacto com as manifestações culturais superiores da Europa (o Liberalismo; o Positivismo e o Socialismo de Antrero), tinham criado uma obra pessoal conflituadora com a mentalidade dominante do Estado, da Igreja e do Ensino. Este raciocínio do jovem EL muito devia à lição de António Sérgio. O que já não acontece trinta anos depois, quando publica O Labirinto da Saudade, em 1978, livro crítico de Sérgio.

Em O Labirinto da Saudade, EL faz publicar o seu artigo de 1969, em O Tempo e o Modo, “Sérgio como mito cultural”, que evidencia filosoficamente a intrínseca constitutividade débil da razão. Com este artigo, o iluminismo pombalino, o positivismo republicano e o racionalismo forte da primeira metade do século XX, que, com Sérgio tinha elevado a razão a fortaleza epistenológica da Verdade, soçobravam às mãos de uma concepção perspectivística e instrumental de razão e de verdade: é o relativismo ético da democracia a anunciar-se. É com EL que, em Portugal, a Razão, acossada pelos estudos epistemológicos, psicanalíticos e linguísticos, perde o privilégio de um superior instrumento de conhecimento. A partir deste artigo, os estudos sobre a razão em Portugal desenvolverão uma teoria fraca ou fragilizada de razão: Fernando Gil, Manuel Maria Carrilho, Boaventura de Sousa Santos, José Gil, José Mattoso,Viriato Soromenho-Marques, António Damásio.

Bastaria aquele capítulo de O Labirinto da Saudade. Psicanálise Mítica do Destino Português para tornar este um livro admirável, vocacionado para ser acolhido na história do pensamento em Portugal. Porém, então, como hoje, todas as atenções se centraram no capítulo que dá nome ao livro. Foi como se, nele, os portugueses se vissem despido, sem a envoltura dos ouropéis ideológicos, mirando-se frágeis, menores e diminuídos ao espelho de si próprio e da Europa. É um dos pouco livros publicados no último quartel do século XX que ficará na história da cultura portuguesa. 

Segundo EL, temos historicamente caminhado num espaço conflitual entre o modo como somos e o modo como nos imaginamos ser. Existe, portanto, na mente de cada português, uma desproporção, uma clivagem, melhor, um duplo estado de espírito em que cada um sente o que ontologicamente é (pequeno país, pobre e carenciado país, recursos limitados, baixa qualidade de vida, forte ruralismo tradicional, incipiente indústria, frágil organização financeira nacional, hábitos passadistas, tecnologia nacional infíma) e o que imageticamente lhe é dado ver através da leitura da história pátria (o mito dos Descobrimentos, a aventura da Expansão Ultramarina, o sonho do Quinto Império, o desejo do progresso antevisto na Europa iluminista e positivista, a quimera de um Estado imperial uno, do Minho a Timor, e do seu contraponto socialista-comunista, o Estado solidário e igualitário dos trabalhadores salvadores do mundo). É a esta dupla consciência que tem animado a maioria dos portugueses, sintetizada na diferença imaginária, em cada época histórica, entre a realidade e a ficção, que E. L. designa por “o irrealismo prodigioso da imagem que os portugueses fazem de si mesmos”. Este “irrealismo”, esta “forma mentis” de ser português, condição histórica permanente de Portugal, tanto tem arrastado Portugal para o maior dos miserabilismos culturais (o espírito decadentista entre os séculos XVII e XX) como para a crença de que somos por condição e destino um povo eleito, por vezes adormecido, mas sempre virtualmente preparado para lançar as “novas naus” da civilização. Esta “forma mentis” portuguesa, é designada por EL como de tipo “traumático”, ao modo psicanalítico, querendo com isso dizer que algo na nossa cultura nacional sofreu de fortíssimas perturbações civilizacionais que lhe recalcaram a possibilidade de uma vivência integrada na normalização média da existência europeia. Ser sempre mais ou menos, tudo ou nada, superior ou inferior, vanguarda ou proscrito, princípe ou gáfaro, não é, sejam quais forem os padrões epocais de estandartização dos comportamentos, um modo habitual de vida. 

(...)

PARA CONTINUAR LENDO O ENSAIO NA ÍNTEGRA:

https://observalinguaportuguesa.org/eduardo-lourenco-e-os-lusiadas/


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