segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

ESPACIO VIRTUAL DE CONSULTAS 2025

ESPACIO VIRTUAL DE CONSULTAS 
PARA LOS ESTUDIANTES REGULARES 
DE LA FACULTAD DE FILOSOFÍA Y 
LETRAS (UBA)- AÑO 2025





 

ØEl próximo encuentro vitual previo a la mesa de febrero se llevara a cabo el miércoles 12/2 en el horario de 17 a 17:50 hs. por Google Meet.

 

Ø Los siguientes encuentros se realizarán luego de iniciado el ciclo lectivo los días viernes de 17 a 17:50 hs.


Ø Inscribirse para recibir el enlace del encuentro hasta las 12 hs. del día de la reunión en:


 https://forms.gle/gcDWEVsrJ19T6EUL7


***


👉Próximas mesas de exámenes previstas: lunes 17/2/25 de 10 a 12 hs. (niveles elemental y superior) y 12 a 14 hs. (nivel medio).


sexta-feira, 22 de novembro de 2024

QUE FUTURO PARA A LÍNGUA PORTUGUESA?

 



QUE FUTURO PARA A LÍNGUA PORTUGUESA?


Nas últimas semanas, diferentes matérias jornalísticas e postagens nas redes sociais circularam com o mesmo assunto: a ideia de que, no futuro, não mais haveria a língua portuguesa no Brasil, mas a língua brasileira. Esse fato aconteceria porque, segundo seus defensores, dada a incontornável e acelerada mudança nas duas variedades da língua portuguesa, a daqui e a de Portugal, seria apenas uma questão de tempo até que o idioma falado aqui e lá se afastasse de tal modo que não fosse mais possível defini-los como sendo a mesma língua. Ganhou destaque nesse contexto o livro publicado pelo linguista português Fernando Venâncio, que deu entrevistas para grandes redes jornalísticas e televisivas, como a BBC, em que era possível ver chamadas com tom sensacionalista dizendo algo como “em algumas décadas, idioma falado no Brasil se chamará brasileiro”. Bem, mas podemos nos fazer a pergunta: isso seria verdade? Se sim, como aconteceria?

 

É fato que as línguas mudam e que não permanecem as mesmas para sempre. Essa mudança acontece não apenas no tempo – a chamada variação diacrônica –, mas em várias outras instâncias, como na relação de gênero (masculino x feminino), de idade, de territorialidade, de grau de formalidade e outras. Essas mudanças, imprevisíveis e incontroláveis, são parte do que explica que nossa língua portuguesa “não seja mais a língua” de Camões ou de Machado de Assis, por exemplo, que “não seja a mesma” falada no Rio Grande do Sul e no Acre e que “não seja a mesma” falada aqui e em Portugal. Nesses casos, e em muitos outros, há mudanças que atingem todos os níveis da língua e da comunicação (fonético/fonológico, morfológico, sintático, semântico, lexical, pragmático...), o que não deixa de ser uma forma de dizer como nosso país é complexo e plural, e como a língua portuguesa no mundo assume contornos próprios. Só que, ao mesmo tempo, a nossa língua é a “mesma” de Camões e de Machado de Assis, é a “mesma” do Norte ao Sul do país, é a “mesma” para crianças e idosos, é a mesma aqui, na Europa ou na África. Falamos todos a mesma língua portuguesa em todos esses contextos. Mas como?

 

Assim, como as línguas mudam a todo tempo, isso significa dizer que elas funcionam, na prática, como um processo; não são um objeto, mas um processo. Desse modo, a todo tempo, elas se metamorfoseiam e se transformam, sendo vistas como uma continuidade, ainda que sejam diferentes ao longo do tempo e das situações. Do mesmo modo acontece conosco: ao longo da vida, vamos mudando, crescendo, adotando novos visuais, engordando, emagrecendo, envelhecendo... vamos, enfim, mudando. A partir desse exemplo, fica mais fácil entender o paradoxo de uma língua ser e não ser a mesma, do mesmo modo que nós somos e não somos os mesmos.

 

Esse é um paradoxo para as línguas em geral: como elas podem ser e não ser, ao mesmo tempo, a(s) mesma(s) língua(s)? Como é possível dizer que o João, jovem carioca de 18 anos, fala e não fala a mesma língua de Camões, fala e não fala a mesma língua que um angolano? Parece certa maluquice, não é? Esse é o tipo de maluquice com que linguistas lidam o tempo todo (talvez por isso alguns sejam realmente meio doidos...), mas que só parece uma maluquice num primeiro momento. Quando estudamos teoricamente a língua, passamos a lidar com naturalidade com esse paradoxo.

 

Dito isso, podemos dizer que a língua do Brasil é a mesma língua de Portugal, ainda que ela seja diferente da língua de Portugal (e das de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e de vários outros países e territórios): passamos por influências, fatos históricos e contatos com outras línguas que são diferentes daqueles por que passou Portugal. E assim estamos há alguns séculos, sem que disso tivesse resultado falarmos a língua brasileira (como alguns linguistas já defenderam ou defendem). Dizer, portanto, que em algumas décadas no Brasil falaremos o brasileiro é, no mínimo, temerário. Mário de Andrade, há um século atrás, já falava sobre a língua brasileira e, passadas muitas décadas, isso ainda não se concretizou. O exemplo, caricato, serve para uma analogia.

 

O fato é que qualquer pessoa – façam o teste com uma criancinha que viaja, alguém que ainda não entende nada sobre línguas, nações, política e etc – sabe que no Brasil e em Portugal se fala a mesma língua, ainda que com algumas diferenças, mas que o mesmo não acontece na Argentina, por exemplo, ou na Galiza. Há aproximações, sem dúvidas, mas aí não há a mesma língua. De igual modo, aqui em nosso país, qualquer pessoa sabe que um curitibano fala a mesma língua de um paraense, ainda que haja diferenças entre as “línguas”. Particularidades de uma certa variedade linguística não fazem imediatamente com que ela se transforme em outra língua. O caminho é muitíssimo mais longo, complexo, imotivado e incerto.

 

Bem, o fato é que não há, ainda hoje, indícios o suficiente que mostrem que temos duas línguas, uma brasileira e outra portuguesa, nem mesmo que haja algum horizonte próximo para isso. Há tentativas, militâncias ou desejos particulares, mas dados empíricos e pesquisas objetivas, isentas de vícios, direcionamento prévios e contorcionismos intelectuais, não há. Pode ser que um dia isso se concretize e que haja uma língua brasileira, mas o caminho não vai passar pelo desejo motivado, pelas frases de efeito ou pela linguística do sensacionalismo. Por enquanto, nada mudou.

 

Prof. Dr. JEFFERSON EVARISTO

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

PORTUGUÊS OU BRASILEIRO

 

'Em algumas décadas, idioma falado no Brasil se chamará brasileiro', diz linguista português

Painel no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, mostra os locais onde se fala português no mundo

Crédito,Guilherme Sai/Museu da Língua Portuguesa

Legenda da foto,Painel no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, mostra os locais onde se fala português no mundo
  • Author,Shin Suzuki
  • Role,Da BBC News Brasil em São Paulo
  • Twitter,

A língua de Portugal não nasceu exatamente em Portugal. E o Brasil, a principal ex-colônia portuguesa, fala um idioma que cada vez mais se modifica e será chamado em um futuro breve de "brasileiro", e não mais de "língua portuguesa".

São visões que talvez mexam com o orgulho do lusitano, o povo que construiu o primeiro Estado moderno europeu e deixou nos continentes americano, africano e asiático marcas profundas de sua cultura (e também da dominação pela força).

O defensor dessas visões, porém, é justamente um português: o linguista Fernando Venâncio. Ele teve publicado recentemente no Brasil o livro Assim Nasceu uma Língua (editora Tinta da China).

Venâncio argumenta — apoiado em diversos estudos acadêmicos e registros históricos — que o idioma português nasceu em um território do qual somente uma parte é atualmente Portugal: o Reino da Galiza, fundado no século 5 d.C., após a dissolução do Império Romano.

"A simples ideia de que, algum dia, um idioma estrangeiro possa ter sido a língua de Portugal é-nos insuportável", escreve o linguista.

Para se ter uma ideia, Lisboa, atual centro da vida portuguesa, levou mais 700 anos sob outro domínio: o dos árabes que ocuparam a Península Ibérica.

Até então, Lisboa (e grande parte da península) falava moçárabe — uma variedade de dialetos de origem latina com influência do árabe, que era padrão na vida institucional da época e legou palavras como "almofada", "açougue" e até "fulano". No decorrer desse tempo, a língua galega já tomava forma.

A parte principal do antigo Reino da Galiza é atualmente a Galícia, comunidade autônoma da Espanha conhecida por cidades como A Coruña, Vigo e Santiago de Compostela (esta considerada "berço simbólico" da língua galega e mais conhecida pelo Caminho de Santiago).

Mapa destacando o reino de Galiza
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Movimentos locais tentam hoje em dia valorizar o uso do galego, que sofreu um processo de apagamento e desprezo tanto por portugueses quanto por espanhóis. O castelhano tem larga preferência no dia a dia da Galícia, principalmente nas grandes cidades.

"Há galegos que fazem o possível para inverter o processo, mas é muito difícil porque é o castelhano que tem prestígio", diz Venâncio à BBC News Brasil.

"É em castelhano que se cantam as canções mais correntes diárias da própria Espanha. O galego é visto como uma língua rural, uma língua de aldeão."

Um exemplo dessa tensão está na produção espanhola Mar Adentro (2004), estrelada por Javier Bardem e vencedora do Oscar de melhor filme internacional. É passada na Galícia agrária, rústica e tem diálogos em galego.

O idioma não tem na Espanha o mesmo prestígio e adesão do catalão, falado como primeira língua por parte considerável da população de Barcelona e que é expressão das aspirações de independência da Catalunha em relação a Madri.

Já a razão para a dissipação histórica das raízes galegas na língua portuguesa está justamente, explica Venâncio, na construção da identidade nacional de Portugal — fundado como reino no ano de 1139.

Os portugueses precisavam cultivar uma narrativa de unidade e de diferença em relação a outras regiões. Assim, as pegadas originalmente vindas da Galícia, um reino que cairia sob a esfera de Castela nos séculos seguintes, foram sendo apagadas.

Segundo o linguista, a própria ideia do "galego-português", termo que costuma designar uma forma antiga do português, estudado em livros escolares brasileiros por meio das obras de Gil Vicente (dramaturgo dos séculos 15 e 16, autor do Auto da Barca do Inferno), é um exemplo de disfarçar essas raízes.

A língua portuguesa nasceu simplesmente galega, sustenta Venâncio, e depois foi sendo transmitida para a parte sul do reino, ganhando seus contornos próprios, hoje distintos das suas origens — embora o português siga mais próximo do galego do que do castelhano.

Por sinal, a clássica idealização de que a palavra saudade só existe na língua portuguesa cai por terra em uma simples consulta a um dicionário de galego.

O linguista Fernando Venâncio, autor de "Assim Nasceu uma Língua"

Crédito,Divulgação

Legenda da foto,O linguista Fernando Venâncio, autor de 'Assim Nasceu uma Língua'

'Língua brasileira'

Apesar de seus 79 anos e décadas de estudo da língua portuguesa (e de seu ensinamento em universidades holandesas), Venâncio está longe de ser um purista.

Ele diz que não vê "como tragédia e nem sequer como um drama" a entrada de termos brasileiros — como "geladeira" — na fala de crianças portuguesas.

"O exemplo que normalmente se dá é, em vez de frigorífico, dizer geladeira. Portanto, podemos admitir que uma criança chega ao pé da mãe e pergunte 'posso tirar isto ou aquilo da geladeira?' A criança não está a falar brasileiro, está a falar um pouco à brasileira e, na vida real, isso não tem importância. Mas é um fato que esse processo se dá", diz Venâncio.

Mesmo com a influência do linguajar brasileiro sobre a população portuguesa, o linguista considera que está em curso um processo de separação entre as duas variantes, e não de união.

"Não há maneira de retroceder, não há maneira de travar esse processo de afastamento entre o português e o brasileiro", diz Venâncio, que já pensa intuitivamente na variante como um idioma à parte.

"O brasileiro é uma língua magnífica. Desculpe: é uma norma [variante] magnífica", corrige-se.

"Bem, é possível que você ainda viva quando se formar uma língua brasileira, o que, digamos, não será o meu caso."

Mas, nos dois lados do Oceano Atlântico, linguistas e gramáticos argumentam que ainda há unidade em normas e usos linguísticos das duas variantes, que morfemas (artigos, preposições, pronomes, entre outros) permanecem os mesmos e que o português culto do Brasil é quase igual ao português culto de Portugal.

Esses elementos impediriam a afirmação de que há uma "língua brasileira".

Venâncio não entra nestas questões técnicas. Diz, no entanto, que a linguagem brasileira que chama de "espontânea", mais distante da norma culta tradicional, está aos poucos separando a nossa variante do português europeu.

"Isso é uma maneira de medir [o processo de separação]. E é uma maneira também de colocar a questão. O falante culto brasileiro também fala de uma maneira mais espontânea, de uma maneira mais 'diária', e esse processo vai ser cada vez mais acelerado", afirma.

"E sabemos que nos processos de mudanças da língua há sempre esses momentos de aceleração. Vai dar-se um afastamento do português europeu. Não sabemos quando é que será. Só sabemos dizer que isso é inevitável."

O linguista tenta resolver a questão ao concluir Assim Nasceu uma Língua afirmando: "O português promete, pois, dividir-se — ou multiplicar-se — em outros idiomas, tal como um dia aconteceu à língua dos romanos, que, por eles, não tinham destas andanças da história a mínima ideia. Sabermos isso faz-nos, a nós, mais felizes? É o mais certo".

Fonte: BBC News Brasil

sexta-feira, 26 de julho de 2024

ESPACIO VIRTUAL DE LA CÁTEDRA DE PORTUGUÉS

ESPACIO VIRTUAL DE CONSULTAS 

PARA LOS ESTUDIANTES REGULARES 

DE LA FACULTAD DE FILOSOFÍA Y 

LETRAS (UBA)





 

Ø Durante el segundo cuatrimestre, a partir del 14 de agosto por Google Meet.

 

Ø Los segundos y cuartos miércoles de cada mes en el horario de 17 a 17:45 hs. Encuentros previstos:

 

MES

PRIMER ENCUENTRO

SEGUNDO ENCUENTRO

AGOSTO:

DÍA 14

DÍA 28

SETIEMBRE:

DÍA 11

DÍA 25

OCTUBRE:

DÍA 9

DÍA 23

NOVIEMBRE:

DÍA 13

DÍA 27

 

Ø Inscribirse para recibir el enlace del encuentro hasta el día martes anterior a la reunión en:


 https://forms.gle/gcDWEVsrJ19T6EUL7


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👉Próximas mesas de exámenes previstas: lunes 16/9 y 2/12 (fechas sujetas a confirmación).










domingo, 7 de julho de 2024

O CONTROLE SOCIAL AUTOMÁTICO

 

Assim age o controle social automágico

Viagem às entranhas dos aplicativos. Em suas múltiplas camadas, impõe-se a lógica do cognitivismo liberal. A captura do trabalho coletivo se faz em anestesia — por meio de constantes estímulos, recompensas e produção dirigida de dopamina

Nossa ambição final é transformar
a experiência Google como um todo,
tornando-a maravilhosamente simples,
quase automágica, porque compreendemos
o que você quer e podemos
entregá-lo instantaneamente”
(Larry Page, fundador do Google)


Cada vez mais é impossível estar em sociedade e viver a própria individualidade sem usarmos alguma mercadoria ou serviço digital. Para obtermos trabalho, entretenimento, serviços públicos, educação, compras, informação etc., agora precisamos de um dispositivo, sinal de internet e contas em plataformas como o Google, a Microsoft ou o Gov.br. Curiosamente, a maioria dessas maravilhas se apresentam como gratuitas, divertidas, inteligentes e muito sedutoras. Uma rápida conferida numa notificação pode virar muitos minutos de distração, onde plataformas, comerciantes e agentes políticos lançam mão de recursos envolventes que não percebemos nem temos controle. Mas como essa automagia funciona? Por que é tão difícil resistir a ela? Qual o seu propósito?


Após mais de 30 anos de pesquisas e debates sobre essas questões em todo o mundo, as respostas começam a se estabelecer. Para compreendê-las, devemos partir de onde tudo começa para nós usuários: as telas dos nossos dispositivos e aplicativos. Ao clicarmos nelas, acessamos uma camada abaixo dessas máquinas automágicas, onde vemos que elas são continuamente produzidas por cientistas, engenheiros, designers, psicólogos, marqueteiros, advogados, administradores e investidores capitalistas. Mas o que estes desenvolvedores desenvolvem?

Clicando nessa pergunta, somos levados a uma camada seguinte. Nela, os mais de 2,5 milhões de aplicativos disponíveis em lojas virtuais1 apresentam-se como ofertas desses desenvolvedores para nossas necessidades vitais (teleconsultas), psicológicas (pertencimento, individuação etc.), sócio-produtivas (trocar mensagens, educação etc.) ou sócio-culturais (jogar games, assistir filmes etc.) – sejam elas percebidas por nós e/ou sugeridas por eles.

Clicamos nessa imensa galeria de mercadorias e, numa camada abaixo, vemos que, embora o número de aplicativos denote a crescente variedade de desejos e necessidades humanas, a sua digitalização exige que os desenvolvedores criem modos padronizados para o seu consumo – o que eles chamam de design da experiência do usuário (UX, de user experience).

Ao darmos um zoom no design de UX, encontramos um conjunto de teorias que podemos chamar de cognitivismo neoliberal. Sem explicar que a principal causa da nossa vida corrida é a necessidade capitalista de extrair cada vez mais valor do trabalho social, o cognitivismo neoliberal ensina que, com toda essa agitação, nossas atividades digitalizadas devem ser cada vez mais simplificadas e gratificantes – caso contrário, os desenvolvedores podem perder o cliente para uma oferta concorrente2.

Um clique nessas simplificações e gratificações e somos levados camada abaixo para o que a psicologia comportamental chama de satisfação instrumental3. Nela, certas recompensas – sensações, experiências e memórias de satisfação mais ou menos relacionadas à necessidade em si – são provocadas nos usuários com a finalidade de motivá-los a adotar um comportamento previamente idealizado, como comprar, se engajar ou acreditar em algo. Segundo a neurociência4, o fluxo entre certos estímulos e recompensas presentes no design de UX pode estimular a produção de dopamina (o neurotransmissor da motivação), aumentando as chances de nos engajarmos nesse comportamento – mesmo que tenhamos outras razões para não fazê-lo. Mas como o design de UX realiza essa automagia?

Um clique nessa pergunta e descemos à camada que os desenvolvedores chamam de arquitetura de escolhas5. Trata-se da hierarquização da variedade de decisões que o usuário pode tomar durante o consumo de uma mercadoria ou serviço digital. Ela é inserida na programação e no design de UX principalmente através das affordances6 – a maneira possível de se fazer algo num aplicativo, como encontrar um par deslizando imagens de pessoas no Tinder. Como os próprios desenvolvedores explicam7, as decisões e atividades que eles precisam que o usuário execute (ceder dados, fazer compras etc.) são facilitadas, estimuladas e recompensadas (a satisfação instrumental). Já as decisões alternativas podem ser dificultadas, ou mesmo a sua escolha pode impedir esse consumo – em geral, você não consegue usar um aplicativo “gratuito” sem ceder dados. Mas por que não podemos fazer escolhas livremente?

Ao clicarmos nessa pergunta, descemos à camada do paternalismo libertário8, onde o cognitivismo neoliberal diz que muitas vezes nossas escolhas não são racionais e, por isso, precisamos de nudges (um empurrãozinho) dos desenvolvedores em direção a melhores decisões para nós mesmos. E por que precisamos ser paternalizados?


Um clique aqui e chegamos na camada onde somos tratados pelos desenvolvedores como previsivelmente irracionais9. Eles afirmam que somos assim porque temos vieses cognitivos, isto é, adotamos critérios e heurísticas emocionais e não-racionais, seja por preguiça, pressa ou para poupar esforço mental10. Por isso, os manuais de design de UX ensinam que a hierarquia e a apresentação de escolhas têm que evitar nos fazer pensar – momento que eles chamam de atrito na jornada do usuário11. Isso implica que certas decisões importantes (como ceder ou não dados pessoais) devem ser apresentadas para nós de forma simpática, discreta e prática – tudo para o nosso próprio bem.

Mas há um problema com o cognitivismo neoliberal. Quando outros cientistas tentam replicar os experimentos científicos que deram origem às suas teorias, muitos deles não chegam aos mesmos resultados. Esta é a chamada crise de replicação, que fez com que a PNAS, uma das mais prestigiadas revistas científicas de psicologia dos EUA, questionasse as bases científicas para muitas das afirmações do cognitivismo neoliberal12.

Então, ao clicarmos na crise de replicação, percebemos que o cognitivismo neoliberal não “descobre” o funcionamento das nossas mentes, mas tenta produzi-lo no design de UX, por exemplo através do chamado Modelo do Gancho13. Nesse modelo, os desenvolvedores querem que o consumo de suas ofertas se torne um hábito para nós, algo que fazemos sem pensar, como se fosse um tique14. Para isso, eles começam nos cercando com uma série de gatilhos, que são estímulos relacionados a necessidades psicológicas como reconhecimento, tédio, solidão etc. – por exemplo, através das notificações do WhatsApp. Como coceiras, esses gatilhos nos provocam desconfortos, até que possam ser “coçados” pelas ofertas dos desenvolvedores – como joguinhos de celular, redes sociais, notícias falsas etc. Mas se 97% dos aplicativos digitais são gratuitos15, o que os desenvolvedores querem em troca das suas habituações e coçadas?

Ao clicarmos nessa pergunta, chegamos ao objetivo do Modelo do Gancho. Nas palavras do seu criador, o psicólogo, designer de UX e investidor do Vale do Silício Nir Eyal, ao se habituar a uma mercadoria ou serviço digital, algo estranho ao consumo tradicional passa a acontecer: “o usuário faz um pouco de trabalho”. Mas de que tipo de trabalho Eyal está falando?

Agora, ao clicarmos em mais essa pergunta, somos transferidos da interface e da experiência do usuário para dentro dos hardwaressoftwares e sensores por trás delas – e sobre os quais pouco ou nada sabemos. Segundo os desenvolvedores, as atividades que essas máquinas automágicas nos sugerem (curtir, interagir, clicar, assistir, inserir dados etc.) existem na medida e na forma em que possam acionar coordenadamente duas “engrenagens”. A primeira quer atender às nossas necessidades – sejam elas do estômago (uma pizza pelo Ifood), ou da imaginação (as coçadas nas necessidades psicossociais no Facebook). Ocorre que, por sua vez, a segunda engrenagem é acionada pela primeira, e sua tarefa é codificar em dados digitais essas ações de consumo e seus resultados (o que pode incluir até sinais vitais que ocorrem nesses momentos)16.

Um clique nesses dados e somos direcionados para os Termos de Uso das mercadorias e serviços digitais “gratuitos” (que nunca lemos17), que geralmente ficam escondidos por perto daquele sugestivo botão “concordo”, e que precisamos clicar para poder usar esses aplicativos. Parte dos segredos das máquinas automágicas está lá, onde os desenvolvedores nos lembram que Gmail, Instagram, Tiktok, ChatGPT são softwares que pertencem a eles, mas que eles deixam você usar sem gastar dinheiro, desde que você ceda para eles a propriedade dos dados digitais que a sua atividade produziu no consumo dessas ofertas18. E por que os desenvolvedores precisam que você produza esses dados para eles?

Um clique nessa pergunta nos leva a outra camada, muito distante dos nossos dispositivos, que são os grandes bancos de dados de propriedade dos desenvolvedores – o chamado big data. Lá, nossos dados são combinados com dados de outras pessoas e coisas, para que poderosos computadores e seus algoritmos busquem padrões entre essas informações, como, por exemplo, os tipos de comportamentos que determinadas pessoas e grupos adotaram sob certos estímulos19.

Clicamos nesses padrões e vemos que, a partir das crenças do cognitivismo neoliberal, os desenvolvedores buscam recriar de forma automatizada e em grande escala alguns daqueles padrões na forma de estímulos para nos fazer repetir comportamentos previamente idealizados – assistir mais um stories no Instagram, responder à mensagem do chefe em qualquer horário, ou compartilhar desinformação20. Além disso, esses novos dados e seus padrões podem indicar possibilidades e tendências de futuro, que podem se realizar ou não, e que os desenvolvedores chamam de análise preditiva21. Mas o que eles querem prever?

Um clique nessas predições e vemos que, se certos indivíduos forem correlacionados a padrões de ocorrência de certas doenças, de modalidades de consumo ou de atitudes políticas, esses dados podem ser oferecidos seja para empresas de saúde e seguradoras para evitar custos, para comerciantes em busca de mais vendas, ou para forças políticas promoverem suas agendas. A análise preditiva nem necessita ser precisa, pois se ela influenciar o comportamento de pequenos percentuais de seus alvos, isso pode significar milhões de dólares22 ou votos23 a mais para os clientes de dados. E tudo isso também pode ser muito lucrativo para os desenvolvedores. Em 2023, o faturamento das empresas de corretagem de dados (data brokers) foi avaliado em US$ 280 bilhões24 e as sete maiores big techs do mundo valiam juntas US$ 10,6 trilhões25.

Um último clique nesses mercados trilionários e somos levados de volta ao nosso ponto de partida, as divertidas interfaces dos nossos dispositivos digitais. Agora, compreendemos que a aplicação contínua de gatilhos, coçadas e nudges algoritmicamente selecionados tem mais a ver com a busca por padrões que reduzam riscos, custos e tempos de acumulação de capitais do que a satisfação de nossas necessidades ou as melhores escolhas para o nosso próprio bem. Hoje, um grande acúmulo de pesquisas demonstra que esses recursos de satisfação instrumental, ao nos pôr a fazer o que não faríamos de outra forma, podem ser relacionados a exposição excessiva na internet26, a sofrimentos como ansiedade e solidão27, ao extremismo político28 e à infodemia29.

É por tudo isso que regulações como Marco Civil da Internet, Lei Geral de Proteção de Dados, certas propostas em torno da PL 2630/2020 (Lei das Fake News) e da regulação da Inteligência Artificial são importantes – apesar dos seus limites –, assim como a adoção de políticas públicas de educação midiática crítica. Nada disso, porém, virá como uma dádiva ou concessão de governos e empresas, mas sim pela conquista da ação coletiva organizada.

1 Segundo o site businessofapps.com há cerca de 2,56 milhões aplicativos disponíveis no mundo acessíveis pela Apple Store ou Google Play Store. Disponível em: <https://www.businessofapps.com/data/app-statistics/>. Acesso em: 09 mar. 2022.

2 Norman, Donald A. Design emocional: por que adoramos (ou detestamos) os objetos do dia-a-dia. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.

3 McQuail, D. (1994). The rise of media of mass communication. In D. McQuail (Ed.), Mass communication theory: An introduction (pp. 1–29). London: Sage.

4 Lembke, Anna. Dopamine nation: Finding balance in the age of indulgence. Penguin, 2021.

5 Thaler, R. H.; Sunstein, C. R.; Balz, J. P. [2013]. Choice architecture. In: E. SHAFIR (Ed.). The behavioral foundations of public policy. Princeton: Princeton University Press. p. 428–439, 2016. Disponível em: <www.papers.ssrn.com/abstract=2536504>. Acesso em: 14 jun. 2023.

6 Kaptelinin, Victor. Affordances and design. Interaction Design Foundation, 2014.

7 Nodder, Chris. Evil by Design: Interaction design to lead us into temptation. Indianapolis: John Wiley & Sons, Inc., 2013.

8 Kniess, Johannes. Libertarian Paternalism and the Problem of Preference Architecture. British Journal of Political Science, v. 52, n. 2, p. 921-933, 2022.

9 Ariely, Dan. Previsivelmente irracional. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2008.

10 Kahneman, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

11 Krug, Steve. Don’t Make Me Think! A Common Sense Approach to Web Usability. Berkeley: New Riders, 2006.

12 Maier, Maximilian et al. No evidence for nudging after adjusting for publication bias. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 119, n. 31, 2022.

13 Eyal, Nir. Hooked: how to build habit-forming products. New York: Penguin, 2014.

14 Bentes, Anna Carolina Franco. Quase um tique: economia da atenção, vigilância e espetáculo em uma rede social. UFRJ, 2021.

15 Fonte: Statista.com. Disponível em: <https://www.statista.com/statistics/266211/distribution-of-free-and-paid -android-apps/>. Acesso em: 09 mar. 2022.

16 George, Gerard; Haas, Martine R.; Pentland, Alex. Big data and management. Academy of management Journal, v. 57, n. 2, p. 321-326, 2014.

17 Obar, Jonathan A.; Oeldorf-Hirsch, Anne. The biggest lie on the internet: Ignoring the privacy policies and terms of service policies of social networking services. Information, Communication & Society, v. 23, n. 1, p. 128-147, 2020.

18 Ver, por exemplo, os Termos de Serviço do Facebook. Disponível em: <https://www.facebook.com/terms.php>. Acesso em: 7/5/2023.

19 Castellano, Claudio; Fortunato, Santo; Loreto, Vittorio. Statistical physics of social dynamics. Reviews of modern physics, v. 81, n. 2, p. 591, 2009.

20 Lewandowsky, S., Ecker, U. K., & Cook, J. (2017). Beyond misinformation: Understanding and coping with the “post-truth” era. Journal of applied research in memory and cognition, 6(4), 353-369.

21 Siegel, Eric. Análise Preditiva: o poder de prever quem vai clicar, comprar, mentir ou morrer. Alta Books Editora, 2018.

22 Zuboff, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância. Editora Intrinseca, 2021.

23 Bond, Robert M. et al. A 61-million-person experiment in social influence and political mobilization. Nature, v. 489, n. 7415, p. 295-298, 2012.

24 Maximize Market Research (2022). Data Broker Market: Global Industry Forecast (2022-2029). Disponível em: https://www.maximizemarketresearch.com/market-report/global-data-broker-market/55670/. Acesso: 24/6/2024.

25 Soma do valor de mercado das empresas Apple, Alphabet, Meta, Amazon, Jingdong e Alibaba. Fonte: FORTUNE (2024). GLOBAL 500. Disponível em: https://fortune.com/global500. Acesso em: 24/6/2024.

26 Harcourt, Bernard E. Exposed: Desire and disobedience in the digital age. Harvard University Press, 2015.

27 Gazzaley, A., & Rosen, L. D. (2016). The distracted mind: Ancient brains in a high-tech world. Mit Press.

28 Cesarino, Letícia. O mundo do avesso: verdade e política na era digital. São PAulo: Ubu Editora, 2022.

29 FERREIRA, João Rodrigo Santos; LIMA, Paulo Ricardo Silva; DE SOUZA, Edivanio Duarte. “Desinformação, infodemia e caos social: impactos negativos das fake news no cenário da COVID-19”. Em Questão, p. 30-53, 2021.